quarta-feira, 30 de junho de 2010

O PRIMEIRO DO ULTIMO DIA - TEXTO EXCLUSIVO PARA NÃO IMPRESSIONÁVEIS



PRIMEIRO DO ULTIMO DIA
Geralmente é a TV que me acorda com algum grito de algum pastor evangélico que estão em todos os canais abertos nas madrugadas televisivas, sempre durmo antes de ter força nos dedos para desligar o aparelho. Desta feita estava tudo mais ó menos escuro, e estava definitivamente faltando energia. As paredes estavam úmidas tanto quanto meus lençóis, havia chovido dias sem parar, mas não havia barulho de chuvas e me levantei ainda meio atordoado com alguma coisa que não se encaixava.
Havia sim uma claridade anunciando mais um dia, mas era uma claridade diferente, como se fosse uma cena de filme de ficção, achei estranho, mas não me preocupei, tava na hora de acordar os meninos para ir a escola e de me aprontar para ir ao trabalho, olhei para o espelho e tomei um susto, meus cabelos estavam despenteados tá certo, mas estavam mesmo eram arrepiados, espetados para cima como se eu tivesse levado um choque elétrico num filme de comédia de terceira. O aspecto dos meus filhos eram idênticos, fomos logo nos lavar, para nossa surpresa meu menino gritou que a água “tava dando choque”, fui confirmar só para acalmá-lo, era verdade a água estava passando corrente mesmo fraca, mas estava, fiquei preocupado com a instalação elétrica de minha casa que nunca fora revisada, pensei “o problema não é falta de energia deve ser alguma coisa errada no sistema de eletricidade da casa” mesmo assim retiramos a água num balde para pelo menos lavarmos o rosto, e para minha surpresa a água continuava a dar descargas leves de energia. Imediatamente pequei um radinho antigo à pilha, fui a procura de pilhas que usava nos controles remotos e as pus no radinho, não sem antes notar um certo inchaço nas pilhas, impressão minha, pensei, mas o radinho não funcionou. Nada não, tomamos um café estranho com um leve choque nos lábios a cada vez que dávamos um gole. Tentamos pentear os cabelos e tudo estava bem, se não fora na hora de sairmos, nossos cabelos novamente se arrepiavam aqui e acolá.
Disse a minha mais velha que fosse fechando a porta de casa enquanto esquentava o carro, dei a partida e nada aconteceu, o carro não funcionava nada, não dava partida, não acendia os faróis, enfim nada nele funcionava. Deu a louca em tudo pensei. Oi gente o carro tá com problemas, vamos ter de tomar ônibus, ainda está escuro mas as luzes dos postes estavam apagadas, aí confirmei que o problema não estava na instalação de minha residência.
O Ponto de ônibus estava vazio, não havia ninguém, ficamos a esperar, mas estranhando aquela claridade olhei para o céu, e vi uma linda aurora, havia mais cores que luzes, algo dançava como uma cortinha de plástico ao vento sobreposta ao cenário.
Dali há pouco chegava ao ponto vários vizinhos, todos tinham carro e iam trabalhar neles, e o comentário se intensificou, todos sem exceção tinham problemas na partida de seus automóveis, não tinham energia em casa e todos nós estávamos engraçadamente com cabelos espetados, nos homens não era tanto, mas as mulheres era realmente extraordinário.
Mas passou duas horas e nada de ônibus, enquanto isso já havia uma multidão sonolenta nas ruas, todos a reclamar da Companhia de eletricidade, ou estranhando as coisas que não funcionavam, a água que dava choques, quando um de nós descobriu o sol no céu. Um sol estranho, muito vermelho lançando uma espécie de jatos curtos pelas bordas, doía muito na vista até que alguém lembrou dos óculos escuros para melhor ver o espetáculo, era belo mas horripilante, parecia que nossos cabelos estavam só dando alerta antecipado daquilo ali, nunca tinha visto nada deste espetáculo nem em cinemas, nem em comerciais mais criativos.
O Sol também parecia estar por traz de algum plástico balouçante, e o pior nunca vi o sol se mover e ele realmente estava se movendo numa dança lenta. Todos começamos a gritar ali se descobriria quem era evangélico, quem não era, quem era católico e quem era ateu arrependido. Estávamos isolados num mundo de comunicações, não havia rádio, celular e nem o telefone fixo funcionava,. Experimentaram os Not Books de alguns companheiros, queríamos saber o que estava havendo, queríamos notícias para nos acalmar, não havia explicações, não havia comunicações. Ví alguns companheiros correram para cima e para baixo gritando passagens bíblicas que não entendi, outros se maldizendo, outros murmurando alguma coisa desconexas. Eu abraçava meus filhos que estavam chorando desesperados, já haviam se livrado das mochilas, dos livros, que estavam no chão com suas páginas desfolhando sob um vento impetuoso. De repente sentimos um tremor debaixo de nossos pés, do tremor passou a uma dança esquisita, lenta como se estivéssemos surfando uma prancha sobre a água do mar, mas em câmera lenta.
Isto é um pesadelo, tem de ser um pesadelo, que diabos comi a noite? Quero acordar.
Torquato
Publicado no Recanto das Letras em 30/06/2010
Código do texto: T2350239


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Sobre o autor

Torquato
Maceió/AL - Brasil, 59 anos
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