quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

E DEUS SÓ ATENDE AOS DOMINGOS



Ao sentar no banco do calçadão do comércio indignado com a miséria que assola o Haiti escancarado ao mundo depois do fatídico terremoto. Levei um certo tempo para clarear as idéias porque estava em branco tanto meu banco de memória como no de imagens e sons embotados pela minha indignação.
Ficou claro que os irmãos que não tiveram chances ao nascer em família, comunidades, cidades e países - não necessariamente nesta ordem - Pobres e sem nenhuma chance de oportunidades, sendo explorados e usados comunemente como bucha de canhão e bode expiatório, são os maiores prejudicados, são os primeiros a sofrer todo tipo de vissitude, justamente por serem excluídos e tratados como tal, Bom para foto e filmes, mas esquecidos logo após a rápida passagem de vista nalgum salão de arte ou na página de jornal, ou na reportagem da TV. A fome, a sujeira, a miséria são-lhe imputadas como se eles tivessem culpa de serem assim e terem nascidos assim, no mínimo passa nas mentes acomodadas em corpos acomodados em deliciosas poltronas de casa, do escritório ou do carro, ou do jatinho ou do veleiro, ou sei lá que diabo mais um traseiro gordo e nutrido pode se acomodar para imaginar desculpas de ter os miseráveis incomodando suas consciências. Mas prevejo que seja religiosamente assim: “Deus sabe o que faz” ou espiritualmente assim: “em vidas passadas fizeram por onde agora serem assim” ou coisas parecidas com fiapos de desculpas por empurrarem mais da metade da população do planeta para a miséria excluída, uma outra vida, uma outra nação.
Minha alma ficou em êxtase furioso com Deus, e eu procurei religiosamente um lugar onde pudesse “conversar com Deus”
Ali bem perto fica a Catedral de Nossa Senhora dos Prazeres, um lugar tradicionalmente respeitado por minha consciência familiar formada, me dirigi para lá e, para meu espanto a Catedral estava fechada, quer dizer muito mais que isso, tinham erguido uma cerca de metal alto com um portão a cada lado das escadarias na parte de baixo e com um tremendo cadeado intimidante. Então um passante me avisou, só abre aos domingos mano. E Eu “pois é, Deus só atende aos domingos mano”
Na praça da Catedral em frente me acomodei noutro banco, infeliz com minha situação pessoal e a situação de irmãos como eu e em situação muitíssimo pior nos sertões brasileiros, nas favelas de cidades de qualquer porte, na infelicidade da dor sem socorro nos Hospitais públicos, nas dores sem solução a vista de fome e sede, de doença e miséria de todos os povos do mundo que não pertencem a categoria A, B,C, E SEI LÁ MAIS QUE.
Se não temos direito a este mundo, então meu Deus me responda o que estamos fazendo aqui?
No banco uma embalagem de papelão de algum aparelho eletrodoméstico servia de armário para frutas passadas, restos de sanduíches e outras coisas não identificáveis, seu dono um sem teto estava dormitando ao meu lado e acordou com minhas lamúrias,olhou-me espantado e falou: “Doutô o senhô ta vestido, comido, limpo e tem onde morar e dormir, eu nada disso tenho e nunca questionei Deus”.
Por Deus mano, Deus não estava lá no templo e só atendia aos domingos, porque durante a semana estava ele atendendo num banco de praça vestido de mendigo

J. Torquato.

Torquato
Publicado no Recanto das Letras em 18/01/2010
Código do texto: T2036691


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*** José Torquato de Barros Filho, Publicitário, Escritor Amador, Líder Comunitário, residente em Maceió-AL.

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