CHAMEM O COVEIRO
jTorquato Alagoano
Nada senti neste dia, os parabéns são mui poucos porque me restam mui poucos amigos que sabem a minha data. Sentei a beira da cama às 4 da manhã, início deste dia, me preparar para ir trabalhar, fiquei a olhar sapatos pensativo.
Ednaldo diria que estava fazendo 6.0, cadê Ednaldo? Carlinhos imitando Chaplin com a voz de Tiririca ia fazer uma palhaçada qualquer para me fazer rir, cadê Carlinhos? Arlindo procuraria um jeito de me agradar me escalando no “racha” da manhã, cadê Arlindo? Demí me chamando de Torquato Doido, me traria um “mote” para que eu fizesse um texto com um desenho da turma da 21 de abril, para depois mostrar no baile dos Ressacados, Sandoval rindo sempre abraçado ao Geraldo com um violão cantando Elvis, bem como Luciano contrapartia cantando Erasmo Carlos. Cadê todos? enfim só queriam me agradar, eram meus amigos.
Certamente que à tarde iríamos para o canal do Trapiche, na lagoa Mundaú, atravessar o canal da lancha e nos meter na ilha atrás de caranguejos e Goiamum, depois à noite sob o violão de Luciano e a Voz de Carlinhos e ou minha, com uma garrafa de Moça Rica Pernambucana, muita farinha, pimenta, descíamos caranguejos quebrados a pedrada numa tábua de cozinha, e na madrugada, ah, sob a lua da praia do Sobral, montávamos um “racha”, ou “pelada” e amanhecíamos o dia, jogadores, bêbados, molhados do sal do Sobral, roupas cheia de areia e histórias.
Porém agora a beira da cama sabia que não tinha onde ir, eles não mais existiam e os que existiam estavam acomodados em suas dores diárias, muitos o Alzaimer nem deixa entrever saudades. Solitário sem ter com quem repartir gostos e lembranças, cultura antiga, cheiros, sabores. Assuntos que em volta de mim são outros mais modernos, à Direita o Orkut, o Twitter, à esquerda uma música esquisita que não tem melodia e tem gingado, umas letras que tentam ser de protestos, mas que soam como um miado de macaco a pular bêbado reclamando da carceragem de sua atitude animal e instintiva. Pode ser que assim pensasse meus Pais e Avós ao ver meus cabelos compridos, minha calça Boca Sino justa nas coxas, minha bota de salto escandalosa, a gritar “Deixe meu Cabelo em Paz” murmurando “para não dizer que não falei das flores” porque “amanhã vai ser outro dia”. Marchando sob o som de “Eu sou terrível” é eles (meus Pais) não entenderam nada, mas tínhamos melodia pelo menos.
Levanto-me acanhado, tomo minha xícara de café fumegante, ponho meu fusquinha para funcionar e vou para o trabalho, ou seja, continuo a dormir na vida.
Trilhar este resto de caminho mesmo com uma companheira compreensiva, significa trilhar saudades, muito mais saudades que futuro. Lágrimas me descem ao rosto me surpreendo. A Expectativa do IBGE me diz que tenho pelo menos mais uma década, depois um Alzaimer qualquer, um AVC, cuidará de me levar a matéria desgastada sem direito e Recal. Mas antes da matéria já estou indo, porque a esperança já se despediu de mim sem remorsos e me deu um conselho brabo:
VELHO, não é mais seu tempo, CHAME O COVEIRO
jTorquato 6.0
em 11/05/2011
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