segunda-feira, 1 de novembro de 2010
DESESPÊRO
O DESESPERO
J. Torquato
01/11/2010
Minha irmãzinha estava nervosa e chorosa, mas não estava chorando e nem desesperada.
Ela estava sentada na mesmíssima posição em que mamãe nos deixou, eu já me levantara sob o olhar acusador de minha mana, que me tachou de desobediente, pois sim eu estava por demais preocupado, para ligar para o fato que mamãe nos disse para ficar sentados, quietos e esperar por ela que voltava já, só que já era noite, as luzes daquele lugar já se acenderam, nós estávamos com muita fome, e o povo que passava por nós não sabia da sede e da fome que tínhamos, cadê Mamãe?
Um senhor se sentou numa cadeira de plástico fixada num ferro que suportava umas meia dúzias delas, esta ficava junto a nossa, levantou um jornal e começou a ler indiferente a nós, minha irmã começou a choramingar que estava com sede e com fome, eu já estava aterrorizado, uma TV em algum lugar tocou a música do Jornal Nacional, já era tarde, só a ouvia já deitado, pouco antes de ferrar no sono, então era muito tarde.
O Senhor levantou-se e saiu, eu andava de um lado para o outro, abismado com o gesto de mamãe, ela não ia fazer isso com a gente, ela que sempre nos enfiou comida boca adentro, que primava por nossa alimentação, nos deixar ali desde a manhã até àquela hora da noite, sem água, sem dinheiro, sem comida?
Os auto falantes continuavam a anunciar a partida e a chegada de ônibus de diversas partes do Estado e do Brasil, pessoas continuavam a circular preguiçosamente ou apressadamente, a maioria com bagagens de viagem, uma rindo e até cantando, outras tristes e até chorando, mas todas ou quase todas estavam com familiares e amigos, sim eu descobri, aquilo era a Rodoviária.
O Senhor voltou, trazia dois copinhos de água mineral e dois pacotes de sanduíches, veio diretamente a nós e nos deu, nada falou, só nos entregou. Ficou de lado enquanto nós bebíamos e comíamos furiosamente, minha irmã adormeceu em seguida como que desmaiando, e foi no colo dele que ela encostou a cabeça.
Eu agradeci com gentileza aquele gesto salvador e perguntei por minha mãe, o Senhor arregalou os olhos e me fez gestos para me fazer entender que ele era deficiente vocal, era mudo mas não era surdo, em seguida se levantou e foi embora outra vez, não sem antes tirar um casaco marrom listrado de sua bolsa e colocar sob a cabecinha loura de minha irmã. Ficamos novamente sozinhos, olhei em torno e para cima, para o auto falante que anunciava outra partida, bem mais adiante havia um relógio que só agora notara, e marcava 9.21 horas da noite.
De repente O Senhor reapareceu com dois homens uniformizados de negro com um escudo brilhante no bolso da camisa e um cordão engraçado nos ombros, se apresentaram como guardas da Rodoviária e perguntou pelos nossos pais.
Não temos Pai, vivemos com nossa mãe no bairro.... um bocado distante comentou um dos guardas.
E Onde está ela? Deixo-nos pela manhã, não sei bem a hora, deixou-nos aqui, deixou esta revista do Bat Man, e disse que ficássemos bem quietos, nos recomendou não falar com estranhos e não nos mover daqui até ela voltar, só que até agora não voltou, o que será que aconteceu com nossa mãezinha?
Bem não sabemos, mas vocês vem conosco, vamos preparar uma cama para vocês passar a noite e um bom banho também, enquanto isso você nos dará maiores informações ta certo?
Como se Chama sua Mãe? Onde ela trabalha? Você tem o Número do Celular dela?
Alice, não sei, ela estava procurando emprego, perdeu o emprego e disse que era porque tinha de cuidar de nós, pois não havia creches e eu era muito menino para ficar a sós com minha irmãzinha, tava procurando em emprego que ela pudesse levar a gente. O Celular dela? Ela vendeu para comprar comida que tava faltando. E não sei a quem vendeu e nem sabia o número dela, fazia pouco tempo que tinha este celular. Aliás ela vendeu tudo, o berço de maninha, a cama dela e a minha, todos os móveis, a geladeira, e por último o fogão, só não vendeu os colchões em que dormíamos, tudo era para comermos, ela disse que compraria tudo de novo assim que arrumasse outro emprego.
O Guarda falou para um senhor que estava atrás de uma mesa, eles não tem nenhuma indicação, nenhuma identificação, as roupas são boas, eles são bem cuidados e muito educados, o mais velho sabe se expressar maravilhosamente, num português meio arcaico em comparação com as gírias modernas da nossa juventude. Parece terem tido uma exemplar educação.
Sua mãe como era, magra, alta, gorda? Como?
Minha mãe é a moça mais linda do mundo, tem cabelos grandes, é alta, está de sapatos de saltos e vestido grande e branco com bordados brancos, usa chapéu também branco.
Chapéu?
Sim como aqueles que as mulheres vão a praia.
Ela usava Luvas brancas?
Sim usava como sabe?
Sinto muito, sua mãe pulou de um edifício comercial, um lugar que tem muitos escritórios e consultórios, está morta, sinto muito, temos de tomar providencias junto a vocês, irão para Delegacia de Menores, e lá decidirão vosso futuro.
Mãezinha nunca faria isso, ela não nos abandonaria assim, ela luta, ela é gigante, ela nos ama muito.
Meu filho, o Desespero escreve a história, muda destino, mina os fortes, mas a causa maior é o AMOR, desespero por amor, amor a vocês.
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