O LUCRO DA MISÉRIA
jTorquato / Maceió / 2012
Pés descalço, rachado e grosso, calça rota, em pedaços sem cor, passos firmes e lentos, rosto suado com lágrimas contidas, expressão conformada, resto de chapéu de palha cuja parte superior sustenta um caixão de madeira de embalagem de frutas, dentro do caixão, embalados em trapos imundos, vai o defunto de uma criança recém nascida. “È não vingou” diria os vizinhos, se vizinhos houvesse. Não os há porque todo mundo se mandou para a cidade mais próxima, eles caminham, por ressequidas e poeirentas paisagens, onde nem o galho seco de uma planta brava resistiu a tremenda seca. Mas ele segue agora com seu “anjo” rumo a mesma cidade, ao cemitério da cidade, lá enterrar seu “anjo” e esmolar comida.
No Grupo Escolar, agora chamada de Escola de Ensino Fundamental, que um dia foi uma construção sólida a beira da estrada asfaltada, mole com visões de fumaça no leito, como uma serpente brilhante, negra e fumegante, se estendendo a perder de vista na planície castigada, Chegam os alunos, todos a pé, mesmo o que antes vinham n o lombo do burro, porque burro não tinha mais, a seca como uma tusiname de vento quente, varreu toda vida animal e vegetal da região. Cansados entram na escola e segue rumo a única sala de aula que ainda está em pé e com alguma telha que traz uma sombra refrescante. A Professora, magra e velha por antecipação, com olhos melancólicos, fala baixo e sem forças, o ABC do dia. A maioria dos alunos dormem nos braços apoiados nas carteiras, ou no que restou delas, a maioria está sentada ao c hão encostada na imunda parede, só têm todos uma única vontade, um único desejo, uma única meta= a Merenda do dia, a única do dia, e eles eram felizardos por a terem, os mais velhos da família que não estavam “matriculados na escola” passavam fome mesmo, a maioria comendo “farinha mandacaru”, até insetos valia para acalmar o estômago, mas o problema não era só a fome, era a sede terrível, NE m água barrenta existia mais.
Para onde quer que se olhasse não havia água, não lhes chegavam nem o prometido caminhão pipa, não havia nem mais coragem para caminhar, faltava forças, o que sobrava era dos alunos daquela escola, a única ali, quinze alunos. E a Merenda Chegou, a Professora, que era diretora, servente, cozinheira, assistente social, psicóloga, médica, etc. já tinha providenciado antes da chegada da garotada.
Arroz e ovos estrelados foram distribuídos, um copo de água barrenta foi disputado, humanos que pareciam animais famintos e sedentos, ou animais com configuração humana?
No Palácio o Governador estava assustado com as estatísticas de mortes, quebra de safras e toda uma calamidade provocada pela já comum seca do nordeste. Em resposta a seu oficio o Governo Federal dizia que enviou verbas, não a prometida inicialmente, mas 20% do mesmo, o restante seria enviado em diversas parcelas em 2 anos etc. e que, claro, esta verba estava indo devido ao empenho do Senador do partido Federal, e seria liberada depois de anunciada amplamente pelas imprensa, parte desta verba deveria ser utilizada “in off” para esta promoção, pois as eleições estava próxima. Uma boa parte das doações internacionais foi bloqueada e que o Deputado Federal do partido do Governo estava liberando-a, e sob seu comando, iria dispor como esta verba seria aplicada.
Por outro lado o Governo Federal incitava os Deputados na Câmara em pronunciamentos veementes, que o Governo Estadual já tinha recebido a verba integral e não a estava aplicando, a imprensa solicitou confirmação ao Governo federal, assessoria de imprensa revelou que nada pode adiantar sobre o pronunciamento do Excelente Deputado que tanto luta e denuncia os malfeitos dos políticos da oposição, inclusive o Governador de seu estado.
Estando as eleições mui próximas, de repente as agremiações estudantis receberam aviso de crédito bancário de somas fabulosas que deveriam ser utilizadas em passeatas e manifestações patrióticas contra a corrupção do Governo do seu Estado que deixa o povo do sertão morrer de sede e fome, em quanto o banco estava abarrotado de dinheiro federal enviado para socorrer as vítimas da seca. Pelo correio via Sedex chegaram tintas para pele, cartazes e planfetos, ticket refeições e etc. uma carta do Deputado Federal estava junto anunciando que 50 Ônibus, 35 Bestas, Jingles, e contato de marketing na imprensa já foram providenciados, e que o MST, a CUT, sindicatos dos Professores, Motoristas e outros já tinham confirmado participação na manifestação contra o corrupto e ladrão governo oposicionista Estadual. E estava explícito, enviamos muita verba para combater e prevenir a seca, perguntem na manifestação, ONDE ESTÁ O DINHEIRO QUE O GOVERNO FEDERAL MANDOU?
Em casa o Deputado junto ao Senador davam gargalhadas a armadilha cruel estava lançada, o dinheiro das instituições federais estava em sua C/C e o Governo Estadual nem o povo iriam ver. Um jovem Deputado de primeiro mandato, ainda com uma camisa vermelha contendo frases ufanistas, filho de uma raposa política, perguntou inocentemente.
-Mas se o governador provar com documentos que o Governo Federal não mandou nada ainda e só vai mandar 20% do que está falando? E que a ajuda internacional nunca vai aparecer porque está sob vosso controle? – A gargalhada foi geral, o Jovem Deputado corou se espremendo na poltrona para desaparecer.
- Filho!!!! Tens muito que aprender conosco, nossa escola foi dura, sindicato nos ensinou uns truques, mas a vida parlamentar nos ensinou muito mais. A Seca é um achado para nós, é garantia de respaldo financeiro para nossa campanha, o que tiramos deles agora, o devolveremos mais tarde como Esmola, ajuda, empregos sem carteira como assessoria, comprando seus votos, etc. O Governador não é burro, se denuncia a tramoia que se meteu, o Governo Federal corta tudo, não recebe mais nada, todos os Governos e Prefeituras estão na Mão do Governo Federal e do Parlamento Federal, e além do mais vai nos encarar, Você acha que o povo vai acreditar no Governador mesmo mostrando documentos, filmes, gravações telefônicas? Ah ah ah ah ah, você teve a prova no tal Mensalão, quase todos voltaram a vida política nos braços do povo. Quem se esmerou em provar está em maus lençóis, nós não, nós rimos deles nas piscinas com copos de envelhecidos wisk, a comemorar Deus que nos dá periodicamente uma seca para nos forrar, e quase sempre as vésperas de eleições.